Jolie entrevista Zahra Joya, jornalista afegã

Nesta quarta-feira, dia 02 de Março de 2022, a revista “TIME” publicou em seu website oficial uma entrevista exclusiva da nossa musa inspiradora, Angelina Jolie, com a jornalista afegã Zahra Joya. Confira a matéria traduzida na íntegra pelo Angelina Jolie Brasil!

Escrito por Angelina Jolie

Zahra Joya tinha 5 anos quando o Talibã assumiu o poder no Afeganistão e proibiu a educação das meninas. Implacável, ela se vestia com roupas de menino e caminhava cerca de duas horas para ir e voltar da escola todos os dias. Após a invasão dos Estados Unidos no ano de 2001, ela largou o disfarce, terminou os estudos e se matriculou como estudante de direito, antes de descobrir sua vocação como jornalista.

O Afeganistão tem sido um lugar extremamente perigoso para ser uma jornalista. Segundo a “Reporters Without Borders”, 80% das mulheres jornalistas perderam seus empregos desde o colapso do governo afegão em Agosto do ano passado.

oya, que fundou a agência de notícias “Rukhshana Media” em 2020, com foco em histórias de e sobre mulheres afegãs, estava entre as pessoas que foram forçadas a fugir do país. Ela foi transportada de avião para o Reino Unido. Ela conversou comigo de um hotel no centro de Londres, onde ela e centenas de outras famílias afegãs aguardam a confirmação de seu status de asilo.

Quando conversamos, Joya disse que quase podia ver a Ponte da Torre de Londres (Tower Bridge) de sua janela – um lembrete de quão longe ela está de casa ultimamente. Ainda assim, mesmo a milhares de quilômetros de distância, a jornalista de 29 anos continua gerenciando uma equipe de repórteres e cobrindo as histórias das mulheres no Afeganistão.

É uma honra conhecê-la. Admiro muito seu trabalho. Você pode me dizer de onde você está falando e se você pode estar junto com sua família?

Estou no centro de Londres. Estamos aqui há seis meses. Infelizmente, quando o Talibã assumiu, apenas eu e três das minhas irmãs mais novas, meu irmão adolescente e minha sobrinha conseguimos fugir. Deixamos para trás nossas famílias, nossos pais. Sentimos a falta deles todos os dias e é muito difícil para todos nós, especialmente para o meu irmão.

Não vamos mencionar onde seus pais estão, para a segurança deles, mas você consegue se comunicar com eles?

Conseguimos nos falar, mas eles estão escondidos, infelizmente.

Sua vida ilustra as últimas duas décadas das meninas e mulheres do Afeganistão. Você sabe como é viver anteriormente sob o regime do Talibã e sabe como era quando houve mudanças e oportunidades.

A primeira vez que o regime do Talibã esteve no Afeganistão, eu era criança. Eu não tinha permissão para ir à escola. Mas adorava aprender. Perguntei aos meus pais e eles disseram: “Você é uma menina, não tem permissão para ir à escola”. Mas depois disso, um dos meus tios me disse: “Você pode se vestir como eu e podemos ir para a minha escola juntos”. Caminhávamos duas horas até a escola todos os dias. Foi uma longa caminhada, mas foi uma esperança para mim. Minha jornada de vida não foi fácil. Cada passo que eu dei foi muito difícil.

É uma história incrível. Quando você ia para a escola disfarçada de menino, qual era o seu nome?

Meu nome era Mohammed. Alguns de meus parentes ainda me chamam de “Mohammed Zahra” de brincadeira. E eu digo, sim, este é um bom nome para mim.

Acho que as pessoas têm uma certa ideia sobre os homens no Afeganistão e sobre a repressão, mas não conhecem todos os homens do país. Seu tio parece um dos muitos homens afegãos que conheci, que acreditam na educação das meninas, nos direitos das mulheres e que arriscam suas vidas pelas mulheres de sua família.

Exatamente. Temos muitos homens que lutam pela igualdade. Eles acreditam nos direitos das mulheres. Um bom exemplo é a minha família. Todos os homens me apoiaram, especialmente meu pai. Ele é um homem adorável. Ele apoiou todas as suas meninas.

Deve ser muito difícil para ele ficar longe de você, embora eu saiba que ele ficará feliz por saber que você está segura.

Ele está. Mas toda vez que ligamos, ele chora. É muito difícil. Estamos separados.

Não consigo imaginar. Não há nada que possa acalmar a alma enquanto você não souber se as pessoas que você ama estão seguras. Eu sei que depois da escola, você foi para a universidade para estudar direito – seu pai também participou disso?

Quando eu era criança, meu pai era promotor. As mulheres costumavam vir à nossa casa e pedir ajuda ao meu pai. Decidi me tornar promotora ou advogada para defender os direitos das mulheres. Mas quando fui para a universidade em Cabul, meus colegas de classe e meus amigos tinham histórias que deveriam ser compartilhadas com outras pessoas, mas não tinham onde publicá-las. Por sugestão de um amigo, percebi que deveria me tornar jornalista. Fui jornalista por uma década. Na redação, muitas vezes eu era a única mulher. Eu costumava perguntar aos meus colegas por que não havia outras mulheres e eles diziam que a maioria das mulheres jornalistas não tinha boa capacidade ou habilidades. Eu disse que deveríamos ensiná-las. Em 2020, comecei minha própria empresa, chamada “Rukhshana”. Ela era apenas uma garota de 19 anos instalada na zona rural do Afeganistão e, em 2015, o Talibã a apedrejou e ela morreu. Estabeleci uma nova agência de notícias como um lembrete para não esquecê-la nunca.

É uma coisa linda pegar tanto horror, tanta dor e honrar outras mulheres dessa maneira. Tenho certeza de que você tem opiniões sobre algumas coisas boas que foram feitas pela comunidade internacional, mas quando vi as negociações sob o governo Trump, sem mulheres afegãs, senti que era um sinal muito ruim de que estávamos começando a recuar sobre o que dissemos que não toleraríamos mais.

Sim. As negociações com o Talibã ocorreram apenas entre o governo Trump, sem representação do governo afegão ou das mulheres. Logo ficou claro que as demandas das mulheres afegãs não eram muito importantes para os EUA e seus aliados. Foi a última consideração. Agora, todas as mulheres afegãs perderam seus direitos, suas liberdades e sua esperança.

Qual seria a melhor maneira, para a comunidade internacional, de apoiar as mulheres agora?

Eles deveriam conversar com o Talibã sobre os direitos das mulheres no Afeganistão. E até que protejam os direitos das mulheres, o Talibã não deve ser reconhecido como governo pela comunidade internacional.

Eu sei que algumas pessoas estão tentando sugerir que o regime do Talibã está diferente agora…

Eles não mudaram. Eles são um grupo extremista e fundamentalista. Eles não acreditam em direitos humanos. As pessoas podem ver que eles não mudaram. Eles estão torturando jornalistas e matando policiais.

Eu sei que isso não é o fim, porque o povo afegão continua avançando. Mas deve ser muito desafiador quando existe tanta luta. Eu sei que seu trabalho deve ajudá-la. Você tem uma visão sobre qual trabalho deseja fazer?

Eu levanto todos os dias e começo meu trabalho como editora. Recebo histórias de meus colegas muito corajosos no Afeganistão. Mesmo que estejam escondidos, eles estão trabalhando. Porque é nosso objetivo trabalhar para o nosso futuro. Estamos pedindo às mulheres que protestam, para que escrevam sobre suas experiências e compartilhem suas experiências. É muito doloroso e triste. Honestamente, não fazemos jornalismo simples hoje em dia; estamos tentando escrever pela nossa liberdade. Não podemos mais trabalhar como jornalistas. Não temos acesso à informação. Mas mesmo assim estamos trabalhando.

Você está fazendo uma diferença muito significativa. Eu realmente rezo para que haja um novo capítulo para você e todas as mulheres no Afeganistão, quando vocês terão conquistado seu direito à igualdade.

Jolie é editora colaboradora da revista TIME. É uma atriz vencedora do Oscar e diretora.

Fonte: TIME

Angelina Jolie Brasil

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